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quinta-feira, 7 de julho de 2011

Cordão de Ouro, o filme

um clássico da capoeira

Feito em 1976, o filme Cordão de Ouro representa um marco na história da capoeira no cinema nacional. Realizado em plena ditadura militar, o longa surpreende ao contar a história de um escravo que se rebela contra o sistema.

Num país fictício, Eldorado, Jorge é escravo de uma companhia de mineração de selênio, a Cia Progresso de Eldorado. Revoltado com a exploração de seu povo ele foge e recebe ajuda do Caboclo Cachoeira para escapar dos capatazes, que o perseguem de helicóptero. O Caboclo o conduz às sagradas terras de Aruanda, um “mundo feliz”, “a morada do bem, onde os rios são dourados da cor do mel e a mata é verde da cor das esmeraldas e no ar brincam para sempre as risadas felizes dos filhos de Oxalá”, como se diz numa das sequências mais poéticas do filme. Lá, Jorge conhece seu mentor espiritual, o orixá Ogum, que o espera para batizá-lo e testar suas habilidades no jogo da capoeira. Satisfeito, entrega-lhe também um amuleto de proteção – um cordão de ouro, com a estrela de Salomão – que vai “manter seu corpo fechado enquanto tu tiver coragem de olhar dentro dos olhos dos teus inimigos” e lhe confia a missão de voltar a Eldorado para lutar ao lado de seu povo contra as “falanges do mal”.

roda de Capoeira em Aruanda, com Mestre Leopoldina, Mestre Camisa e Nestor Capoeira, um verdaderiro clássico

O filme conta com um célebre elenco de capoeiristas: Nestor Capoeira (Jorge), Mestre Camisa (pintado de preto, como Ogum), Mestre Leopoldina (em seu impecável terno branco, no comando da bateria da roda em Aruanda), Mestre Peixinho e outros. Temos ainda uma participação do saudoso Pai José Ribeiro, numa cena em seu lendário terreiro de candomblé, o Castelo de Iansã Egum-Nitá. Atores como Antonio Pitanga, Zezé Mota e Jofre Soares completam o elenco do longa, dirigido pelo consagrado Antonio Carlos Fontoura.

Carregado de símbolos da religiosidade afro, indígena e da cultura popular, numa exuberante estética de vanguarda, o filme é de grande importância para quem se interessa a fundo pela história da capoeira, do cinema e da cultura nacional.

(Soldado Capoeira)

domingo, 5 de junho de 2011

A história do maculelê

O maculelê é uma das manifestações que compõe a gama de atividade praticadas tradicionalmente em conjunto com a capoeira. Mais do que isso, é considerado pelos capoeiristas  como parte da capoeira.

Ao longo do tempo, várias foram as explicações, entre lendas e fatos reais, dadas para explicar o seu surgimento.

A lenda mais conhecida relata que em uma tribo africana havia um rei (o rei Maculelê) que após beber demais teve sua tribo atacada por uma tribo inimiga, justamente quando os homens e guerreiros da tribo haviam saído para caçar. Incapaz de defender as mulheres, crianças e idosos o rei acabou por ser assassinado junto a eles. De volta ao local, os homens e guerreiros encontraram o cenário desolador.

O curandeiro da tribo, no entanto, deu ao rei uma nova dose da mesma bebida (a famosa jurema, feita com a raiz da árvore de mesmo nome, sagrada entre os índigenas do nordeste) que o havia embriagado antes do ocorrido e o mesmo surpreendentemente ressuscitou. Vendo então a desgraça de seu povo, o rei Maculelê jura vingança e junto a seus guerreiros ataca e derrota a tribo inimiga, munido apenas de bastões de madeira.

A lenda mostra a intensa miscigenação entre as culturas no Brasil. Uma tribo africana e uma bebida sagrada entre os índios. Provavelmente, em seu surgimento essa lenda não citasse especificamente a jurema, uma vez que essa bebida não vem da África, mas outra bebida que durante a miscigenação cultural foi substituída pela jurema, tão popular no nordeste.

Outras versões dessa lenda existem, mas quase todas são muito parecidas.

A história oficial cita o berço baiano do maculelê e sua origem africana. Sobre isso, vejamos esse precioso documentário, que fala do maculelê, Mestre Popó, seu mais importante nome e da famosa cidade de Santo Amaro da Purificação:

A verdadeira história do maculelê–direção e roteiro, Almir Nascimento, produção, Pedro Urizzi, realização “Studio A”.

(Soldado Capoeira)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A capoeira como interface cultural

O Brasil é um país rico em cultura. As diversas etnias formadoras do povo brasileiro ao se miscigenarem nos deixaram um legado amplo e variado. Cada região tem suas características culturais próprias, e a cultura popular é a marca mais forte do nosso país.

Como diz Paulo César Pinheiro, na célebre canção “Brasil Mestiço, Santuário da Fé”, interpretada por Clara Nunes, “é o samba, é o ponto de umbanda, é o tambor de Luanda, é o maculelê e o lundu, é o jongo e o cachambu, é o cateretê, é o coco, é o maracatu, o atabaque de caboclo, agogô de afoxé, é a capoeira e o candomblé...”.


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o mundo se globaliza, mas a identidade brasileira se reafirma

Toda essa cultura se mantém viva graças a força de resistência de quem a pratica.

Com a crescente evolução das tecnologias de informação cresce também o processo de “globalização cultural”, levando comunidades e indivíduos no mundo todo a se questionarem sobre a sua própria identidade. Se manter fiel às suas tradições ou atender ao chamado do que está “na moda” e representa status, modernidade...?

Embora boa parte da juventude prefira a segunda opção, existe também essa força de resistência. E a medida que o Brasil emerge, a história se inverte, de “importador” cultural o país passa a ser campo de interesse de estrangeiros e torna-se cada vez mais um “exportador” cultural.

A capoeira desempenha um papel peculiar nesse processo, funcionando como uma espécie de interface. Nela existe espaço para outros tipos de manifestação, como coco de roda, samba, puxada de rede, afoxé, jongo, etc, possibilitando que tais manifestações também sejam preservadas e divulgadas, por vezes em ambientes os mais diversos ao natural. A capoeira se espalha pelos cinco continentes conseguindo incrivelmente preservar sua identidade brasileira, através da linguagem, da organização, do respeito a sua história...

Muita gente pode se lembrar do samba e do futebol quando ouve falar do Brasil. Mas foi a capoeira e os capoeiristas que se radicaram mundo afora para ensinar pessoalmente aos estrangeiros o jeito de ser brasileiro - ela implantou um pouco de Brasil em cada canto do mundo e é umas principais portas de entrada para a cultura nacional.

Por isso é tão importante que se valorize cada vez mais esse aspecto abrangente da capoeira com as outras manifestações culturais do Brasil, até porque a própria capoeira tende a se fortalecer com isso. Um estrangeiro que se interessa pela capoeira, quer conhecer sua história, quer cantar em português, quer aprender tudo quanto for da nossa cultura, quer beber a água na fonte, o original. É um interesse dele, pois assim poderá se sentir verdadeiramente capoeirista, e até mesmo um pouco brasileiro.

(Soldado Capoeira)

Ouça:

Paulo César Pinheiro e Mário Duarte – música Brasil Mestiço, Santuário da Fé, 1980.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A diferença entre costume, tradição, fundamento e técnica na Capoeira

Uma das maiores preocupações na Capoeira, especialmente entre os capoeiristas preocupados em ter uma postura profissional dentro da arte, é em manter, respeitar e aprofundar tradição, costume, fundamento e técnica. Apenas para efeito conceitual, neste texto vou procurar estabelecer diferenças (se existirem) entre tais idéias.
Em primeiro lugar, é conveniente ressaltar que uma palavra pode ter diferentes significados, dependendo da intenção de quem a usa. Por isso é mais importante prestar atenção na idéia por trás da palavra e não apenas na palavra em si. O que farei é tentar justamente estabelecer diferentes idéias, e não uma regra geral. Logo, alguém pode falar de tradição usando a idéia que aqui neste texto se refere a fundamento, e etc.. O que deve ser levado em conta é o conteúdo, e não a forma.


Costume



É um ato ou um rito praticado diversas vezes por um grupo de pessoas ao longo do tempo. Por exemplo, é costume um capoeirista cumprimentar o outro aos pés do berimbau, antes de iniciar um jogo.



Tradição






i12 Capoeira_antiga-1a tradição na capoeira é transmitida pela oralidade de geração em geração






Podemos definir como um conjunto de ritos e costumes praticados e transmitidos de geração em geração, sendo portanto uma ponte do passado com o presente e o futuro. Com o tempo passa a ser respeitada e pode mesmo adquirir ares de "sagrado". Tradição também pode se referir a toda uma linhagem dentro da capoeira. Por exemplo, fala-se em tradição "cachoeirana" quando se refere ao grupo de capoeiristas vindos da cidade de Cachoeira na Bahia, que se destacaram na metade do século passado.



Fundamento



A própria palavra contém o seu significado: fundamento é a base da capoeira. O essencial, o primordial, sem o qual a capoeira não existirá, ou será desfigurada.
Na capoeira existem duas linhas principais, a Angola e a Regional, com uma infinidade de subdivisões.
O importante é notar que cada uma dessas divisões tem suas próprias características, mas o que une a todos e possibilita que todos sejam automaticamente identificados como "capoeira" são detalhes, como a ginga, a malandragem, a musicalidade, a luta, a dança, a história comum que remete aos escravos africanos, etc... Todas essas características podem ser chamadas de "fundamentos" da capoeira, pois é a base sobre a qual toda a atividade da capoeira se desenvolve. Cada estilo, posterior a isso, desenvolve também seus próprios fundamentos secundários que permitem também identificá-los e diferenciá-los perante aos outros. Por isso, um bom capoeirista deve conhecer bem os fundamentos gerais da capoeira e, pelo menos, os do estilo que pratica.



Técnica




desde seu início a capoeira passa por um constante aperfeiçoamento técnico. Na foto, Mestre Camisa, da Abadá-Capoeira, responsável pelas maiores evoluções na técnica da capoeira dos últimos anos



Podemos estabelecer técnica como o conhecimento prático de se fazer algo. Na capoeira, a técnica varia de acordo com o costume, a tradição e os fundamentos do estilo praticado. Por exemplo, cada estilo tem sua própria técnica de confecção do berimbau, de armar e tocar o mesmo, sua própria técnica de jogo, de ensinar a capoeira, etc...
A técnica pode e deve ser melhorada, tomando sempre o cuidado de respeitar fundamento e tradição. Desde o início e especialmete nas últimas décadas (sob forte influência da Regional de Bimba) observa-se uma preocupação contínua com o aperfeiçoamento das técnicas, especialmente da luta e da parte acrobática da capoeira, de modo que um capoeirista de hoje precisa treinar muito mais do que no passado para que possa atingir um nível de excelência dentro da arte. Poderia se dizer que tal aprimoramento se dá apenas no nível esportivo da atividade, mas a parte cultural também se aprimora. Os toques de berimbau, as músicas, o estudo da capoeira se aperfeiçoam a cada dia sem perder de vista os seus fundamentos. O interessante é notar que a capoeira não perde sua energia, tão explosiva e cativante, com isso. Nossa arte está amadurecendo sem perder seus sentimentos e nem a sua essência popular. Graças ao trabalho de tantos mestres, professores e alunos, a capoeira continuará sendo uma arte do povo e seguirá com o mesmo Axé dos tempos de outrora.



(Soldado Capoeira)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A arte da vadiação

rebeldia em forma de festa

“vamo vadiar, vamo vadiar…”

Ouve-se muito falar do termo "vadiação" na capoeira . As canções, cantigas, quadras e corridos sempre estão chamando o jogador para vadiar.
Na capoeira, vadiar significa brincar, jogar descontraidamente, usar o espaço da roda para uma espécie de confraternização entre os praticantes. Essa é uma característica comum a diversas manifestações afroculturais presentes no Brasil, como o samba, o jongo, o maracatu, o lundu, coco de roda, etc...
A origem dessa característica vem, como já cantava Clara Nunes, "desde o tempo da senzala". Naquela época de tanto sofrimento para os negros o trabalho era uma lei cuja violação era punida com violência e crueldade. Trabalhava-se exaustivamente e o trabalho chegava a ser confundido com a própria vida.
Os escravos que fossem pegos sem trabalhar eram chamados e tratados como vadios. Logo, as atividades que não fizessem parte da rotina de trabalho eram entendidas como "vadiação", uma afronta a lei do trabalho, mesmo quando permitidas pelos senhores de engenho. A permição era, obviamente, uma estratégia para que através dessas atividades os escravos, sentindo-se livre por alguns instantes, descarregassem sua ânsia de liberdade e esquecessem de se rebelar ou fugir.
Mas, era justamente nesses momentos que os negros se faziam resistentes ao domínio que lhes tentavam impor. Mantinham sua cultura viva e forte, sua crença, suas lutas de defesa e ataque (que disfarçadas em dança se tranformariam na capoeira), congregavam a união do grupo, etc...
A vadiação era uma das formas de rebeldia e resistência dos negros, que dessa forma conseguiam burlar a vigilância constante de feitores e jagunços, e em forma de festa, "debaixo do nariz" de seus carrascos, conspiravam a sua revolta.

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Jogar Capoera ou Dance de la Guerre, Rugendas, 1835

Fugas, motins, capoeira... logo, as autoridades iriam perceber o perigo representado pela vadiação e passariam a vigiá-la ainda mais, desestimulá-la e persegui-la. Mas, o negro já não podia mais deixar de vadiar e mesmo sob a cruel perseguição arranjava formas de praticar suas atividades.
A vadiação, era uma necessidade, uma válvula de escape para a tensão do dia-a-dia das fazendas e engenhos, uma forma do escravo se declarar e se sentir livre.
Um texto de Eunice Catunda, contido no livro "O Barracão do mestre Waldemar", do pesquisador Frede Abreu, nos fala justamente dessa urgência que o povo tem de praticar a sua cultura. Para ela a arte, a cultura popular é mais verdadeira, pois não é só uma forma de diversão, e sim uma necessidade imprescindível.

Com o passar do tempo a vadiação tomaria forma e corpo se transformando em samba, em capoeira, em danças religiosas, como o afoxé e o jongo, enfim em arte popular, viva e forte, e como, cantou Clara Nunes, "quanto mais chicote estala, e o povo se encurrala, o som mais forte se propala". O Candomblé, a Umbanda e afins também fazem parte dessa cultura, mas, não podemos, por respeito, citá-las como vadiação, afinal são práticas religiosas e conduzidas como dever, como obrigação, como trabalho pelos negros. São práticas também símbolos de resistência e de admirável diversidade e riqueza, fontes infindáveis de cultura.

carybe-vadiacao47_g Vadiação, gravura de Carybé

Curiosa é também a relação que a própria classe dominante tinha com as manifestações afro, por vezes perseguindo e proibindo, e em outras vezes se utilizando das mesmas práticas em prol de algum interesse. Como por exemplo, a capoeira era proibida, mas diversas autoridades contratavam os capoeiristas para fazer o papel de guarda-costas ou de jagunços políticos.

Enfim, vadiar para os senhores de engenho era uma simples forma de diversão e distração dos escravos que se tornou perigosa com o passar do tempo. Vadiar para os escravos era uma forma de festejar, resistir e rebelar, era uma verdadeira arma de guerra.

Vadiação é rebeldia, uma rebeldia em forma de festa, uma rebeldia em forma de arte.

(Soldado Capoeira)

Bibliografia:
- música:
Brasil Mestiço, Santuário da Fé, de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro
no álbum Brasil Mestiço, de Clara Nunes,1980

- livro:
"O Barracão do mestre Waldemar", de Frede Abreu, Organização Zarabatana, Salvador, 2003.

domingo, 8 de agosto de 2010

Zé Pelintra e a Capoeira

Não é segredo pra ninguém que boa parte da cultura brasileira descende da mãe África. Observamos na religiosidade, na música, na comida, nos costumes, etc..., uma forte influência daqueles que vieram ao Brasil como escravos e acabaram por se misturar aos outros habitantes, nativos ou não, para formar o povo que hoje chamamos de brasileiro.
Por isso, podemos dizer que a capoeira, o samba, o maracatu, a capoeira, a umbanda e o candomblé, o frevo e tantas outras manifestações culturais são fruto dessa mistura, algumas mais influenciadas pelo lado indígena, outras pelo lado europeu, a maioria delas pelo lado africano. A miscigenação criou uma cultura mestiça.
Na Umbanda, por exemplo, encontramos Zé Pelintra que é um forte exemplo dessa mestiçagem: o malandro, negro de terno branco e punhal de aço puro, mestre do Catimbó (um culto nordestino de origem indígena), sambista e capoeirista. É um fiel representante de uma cultura africana resistente e sobrevivente em solo brasileiro. Nordestino ou carioca, praticante do Catimbó, da Umbanda ou do Candomblé, anda sempre com suas guias dedicadas a seu Orixá no pescoço - diz-se em um de seus mais famosos pontos da Umbanda e Catimbó, que "foi criado por Ogum Beira-Mar, em nome de Deus e de todos Orixás". Na aba de seu chapéu, encontramos ainda uma pena vermelha, uma homenagem ao Orixá mensageiro Exu.



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Zé Pelintra e Mestre Leopoldina: o mestre era um grande devoto de Seu Zé


Seu Zé, como é carinhosamente chamado por seus admiradores, é também um conquistador nato. Conhecedor da noite e dos perigos da vida, anda sempre com seu lenço no pescoço e sua navalha alemã no bolso.

Não é preciso ser capoeirista para saber que muito dessa personalidade de Seu Zé, está ligada também à personalidade histórica do capoeirista. Se retornarmos para um segundo momento na história da capoeira, pós-abolição, vamos encontrar entre os praticantes da arte justamente os malandros, que, sendo exímios capoeiristas, sabiam como escapar de qualquer perigo e estavam sempre atentos ao caminhar pelas ruas. Os capoeiristas também sempre foram "conquistadores natos" do mulherio.
Ainda que afirmar isso nos idas de hoje seja tão polêmico, era no passado também muito natural que os praticantes da capoeira fossem praticantes de alguma religião afrobrasileira, uma vez que essas religiões estão fortemente ligadas ao universo de onde eles e a própria capoeira vieram. Mais do que uma simples prática, a religiosidade do povo africano não é apenas vivida no espaço de um terreiro ou um templo, é algo levado para o dia a dia, não é só uma religião, mas também uma forma de viver e de ver o mundo. E se hoje o preconceito é grande, imagine então naquela época...



Um pouco mais a frente na história, encontramos entre os angoleiros figuras tão malandras quanto Seu Zé, principalmente na capoeira Angola, onde os malandros chegavam em seus ternos impecáveis, chapéu de lado, e jogavam sem que uma mancha de poeira sequer maculasse o branco de suas roupas.



Vários pontos do malandro Zé Pelintra tratam de sua relação com a capoeira, como esse:



"moça não tenha medo do seu marido
se ele é bom na faca, eu sou no facão
se ele é bom na reza, eu na oração
se ele bate em cima, eu vou na rasteira
sou da capoeira"



Tais pontos - ponto é como se chama uma cantiga na Umbanda - falam do mundo de Seu Zé, um mundo cheio de perigos, mas também cheio de diversão. Tal qual a capoeira: numa roda um capoeirista pode se divertir, mas sabe dos perigos que enfrentará. E é aquele que melhor usar a malandragem que conseguirá se sair melhor na roda, escapando das rasteiras e das investidas "na maldade", como se diz na capoeira, dos outros jogadores.

A tão famosa "mandinga", uma energia quase palpável na capoeira, que todo capoeirista já sentiu, é uma energia herdada dessa época em que era preciso mais do que esperteza e habilidade no jogo, mas também - opinião própria - uma proteção espiritual para o capoeira. Negro, pobre de recursos materiais, mas rico de recursos culturais, e discriminado, perseguido pela polícia, pelo preconceito, por outros capoeiristas... A mandinga é uma energia que vem da época em que o negro escravo precisava fugir da senzala e lutar pela liberdade e para isso contava com um auxílio divino. Então, por mais incrível que pudesse parecer, o escravo e o malandro conseguiam escapar das mais inacreditáveis situações...

Este é um assunto bastante complexo e espero voltar a tratar dele em breve. Para finalizar, por hoje, digo que a mandinga e a malandragem sempre serão pilares básicos nos fundamentos da capoeira. Espero que tenham bom senso e leiam este texto livres de preconceitos e mesquinharias... Axé!

(Soldado Capoeira)




Continua...



Bibliografia -pra quem se interessar indico estes livros:



Malandro Divino - a vida e a lenda de Zé Pelintra, personagem mítico da Lapa carioca, de Zeca Ligiero



Os fiéis da navalha, de Adriana Albert

sábado, 26 de junho de 2010

Na volta que o mundo dá…

(um conto de malandragem, malícia e capoeira)

CAPÍTULO I – QUEM APANHA NÃO ESQUECE

O dia amanheceu nublado naquela manhã. As nuvens escuras e o frio eram um convite para se ficar em casa.
Entretanto, mesmo com o leve sereno e as ruas cheias de barro, um grupo de meninos do Morro da Mangueira ousou sair a rua para brincar, em meio aos xingos de suas mães descontroladas.
Corriam para lá e para cá, nas vielas, pulando cercas e invadindo jardins, deixando os cachorros da vizinhança muito irritados a latir.
Foi quando que, como num acontecimento programado pelo destino, cruzaram com outro bando de meninos um pouco mais velhos, do Morro do Urubu, que passava por ali apenas para desafiar a molecada da Mangueira.
Os dois grupos pararam no mesmo instante e ficaram a se encarar. José, líder dos meninos da Mangueira tomou a  frente do seu grupo, ao lado de Tião, seu braço direito. Joca, líder do outro bando, também tomou a frente. Um pesado clima de suspense pairou no ar.
- Os maricas vão correr? - desafiou Joca, provocando risadas de escárnio entre os seus. Mas José, cheio de coragem retrucou uma ordem para os companheiros:
- Dessa vez ninguém corre!

Os grupos já se conheciam a tempos, a mesma história sempre se repetia por aquelas vielas. O grupo de Joca aparecia e aterrorizava os meninos mais novos do Morro, sempre que a rapaziada mais velha estava ausente e impedidos de defendê-los. E dessa vez, José, que sempre corria e nunca era pego, resolveu enfrentar seus algozes. Porém, não adiantou a sua ordem, todos se escafederam o quanto antes e apenas quem ficou ao seu lado foi Tião, seu bravo amigo. Joca e seu bando também permaneceram ali, admirados da ousadia dos dois pirralhos.
    Ficaram ainda mais surpresos quando José e Tião partiram ao ataque, quase ao mesmo tempo. Empurraram seus inimigos e saíram a soltar chutes e golpes de capoeira, que aprenderam com os malandros do morro.
José ainda conseguiu derrubar um deles na rasteira, mas não houve jeito, mesmo com tanta valentia, os golpes foram em vão. Joca e os seus apenas caçoaram da tentativa dos meninos e rapidamente os colocaram ao chão com bandas e empurrões. Jogaram os numa poça de lama na rua e os humilharam, não os deixando levantar. A cada tentativa de ficar de pé eram novamente derrubados.

Ficariam ali, nesse estado deprimente, não fosse uma moradora da vizinhança, que, incomodada com a algazarra, tivesse saído a bravejar xingamentos na janela. O grupo de Joca correu imediatamente, e José e Tião ficaram ali, imóveis no chão por alguns momentos, a ouvir os impropérios daquela insensível senhora. Levantaram devagar, sem ter coragem de se encarar, e caminharam lentamente, em silêncio. Sujos por fora e se sentindo um lixo por dentro. Ao chegar em suas casas, ainda apanhariam de sua mães, de certo, pela sujeira na roupa.
Antes de se despedirem, se olharam como cumplices de uma futura vingança. Um misto de ódio e vergonha dominando espíritos tão jovens.

O tempo passou, rápido como um piscar. A infância acabaria e não conseguiram se vingar de Joca, como queriam. O desejo de vingança, porém, não morreria em seus corações e o episódio selava para sempre o destino dos três.
José, Tião e Joca. Na volta do mundo ainda iriam se encontrar.

CAPÍTULO II – O LENÇO CAIU DO PESCOÇO

Uma bela morena dos olhos da cor de mel. Apertada em um vestido vermelho muito  justo, deixando evidentes suas sinuosas curvas. A morena, nascida em uma comunidade pobre, num dos morros da cidade do Rio de Janeiro, aprendera desde cedo a usar de sua beleza para se sobrepor no perigoso mundo em que vivia.
Com uma pose provocante, desfilava pelas ruas da Lapa, rebolando e lançando olhares lascivos aos marujos, trabalhadores da estiva e malandros que ali frequentavam, distraindo-lhes a atenção para arrancar-lhes o lenço do pescoço e em seguida atingi-los com uma letal navalhada. Mais de um coração já fora dilacerado por sua cruel formosura.
Sabia como seriam seus relacionamentos antes mesmo de começá-los. Atraía um homem e o fazia se apaixonar por ela, tirava dele todo o dinheiro que pudesse e depois arranjava outro que lhe oferecesse melhores condições. Afinal por aquelas bandas, poucos conseguiam manter por muito tempo os caprichos de donzela que ela exigia. Então, no duelo que ela provocava, podia sair até morte, como de fato já houvera ocorrido. Adorava ver dois homens disputando-a.
Vez ou outra parava e sambava num botequim, levando alguns quase á loucura com seus quadris remexendo freneticamente. Sempre estava acompanhada de algum possível pretendente, mesmo quando já tinha compromisso - tinha que se garantir, caso ficasse sozinha repentinamente. Na verdade sabia que homem não iria faltar, mas adorava ser desejada. Era uma mulher que se julgava conhecedora da "malícia" da vida.
Foi nesse meio que conheceu Tião, estivador do porto carioca, capoeira, frequentador assíduo da noite na Lapa - mais uma de suas vítimas. Se aproximou devagar, enquanto fumava delicadamente um cigarro, fazendo quase que imperceptíveis movimentos em seus lábios, pulsantes de um batom excessivamente vermelho. Foi rodeando, cercando o estivador, como uma fera faz com sua presa. Sambou e dançou até que Tião, já completamente dominado pelo jogo da morena, viesse lhe pedir a companhia.
O moço, que gostava de se sentir um "Dom Juan", conquistador do mulherio, mordeu facilmente a isca de Tereza. Conversou com a morena olhando-a como se lançasse flechas para lhe atingir o coração, na ilusão de que era ele quem tinha o controle da situação.
Naquela noite caminharam juntos na escuridão de algumas ruas da região, onde casais apaixonados podiam se amar com certa privacidade. Mas, Tereza, usando mais um truque, se fez de difícil e não cedeu aos seus carinhos. Na noite seguinte, enfim, se amaram intensamente por horas e horas, sem parar. Tião sem perceber tinha deixado o lenço cair do pescoço, e assim a boa vida de Tereza estava garantida por mais algum tempo. Até ser desferido o derradeiro fiel de navalha.

***

Tião se apaixonou de tal forma pela morena que se rendia a todos os seus caprichos, fazia de tudo para agradá-la: dinheiro, presentes, roupas... Demonstrava suas habilidades de capoeira para a amada arranjando brigas e mais brigas com outros boêmios pela noite, onde fazia questão de exibir a "sua" morena. Se desconfiasse que alguém a olhava, estava preparado para fazer o infeliz engolir os olhos que a desrespeitaram. Sempre mulherengo, foi abandonando aos poucos a companhia de todas as outras damas para se dedicar única e exclusivamente a Tereza.
José, seu amigo de infância, malandro, que conhecia melhor do que ninguém a malícia da noite, percebeu imediatamente as intenções da tal morena. O domínio, a hipnose exercida por Tereza em seu camarada, eram os indícios de que o amigo estava prestes a se meter em uma enrascada. Sabia que em pouco tempo, ele não teria mais onde arranjar dinheiro para satisfazer sua amada, e certamente, abandonaria sua vida de trabalhador para se entregar de vez ao crime. O malandro sabia, por experiência própria, como era essa vida de capanga, por vezes assassino profissional e justiceiro e não a desejava para Tião. Procurou alertá-lo de todas as formas para que se afastasse de Tereza.
A fama da morena, também, a precedia na noite. Tião, porém, se ofendia profundamente quando o amigo, ou qualquer um, tocava no assunto e ameaçava terminar a amizade, caso ele insistisse. Tereza também aproveitava para fazer a cabeça do companheiro contra José, dizendo que aquilo tudo era despeito por ele não ter uma mulher como ela para o amar. Tião estava cego de paixão.

Para ele, não havia motivos para Tereza não se sentir a mais feliz de todas as mulheres. Mas, como era de se esperar, ela não estava contente com o carinho e a atenção dele. Provocava outros homens, até mesmo quando nos passeios com Tião, e se deliciava em vê-lo defendendo-a. Caminhava pelas praças e ruas, de noite ou de dia, justamente para despertar o desejo dos homens. Por isso, era uma questão de tempo para que Tião fosse traído.
Certa vez, o pobre homem teve que se ausentar por uns dias, fugindo da polícia, que o caçava por ter ferido o desafeto de um político, do qual se tornara capanga, e a morena aproveitou para sair pela noite a procura de algum outro homem que a quisesse. Foi para a porta dos cassinos e casas de jogo, e por ali ficou, rebolando e fumando seu cigarro. Não demorou e encontrou mais uma vítima.
Leão de chácara de uma casa de jogos, Joca logo se deixou enfeitiçar. Usando o mesmo artifício, que sempre dava certo, Tereza não se entregou naquela noite, e na próxima, como numa rasteira que é dada na hora certa, tinha Joca caído a seus pés.

O reencontro dos três estava prestes a acontecer. Iê, volta do mundo, camará...

CAPÍTULO III – QUEM MEXE COM MULHER DOS OUTROS, NÃO TEM A VIDA SEGURA

As ondas do mar chegavam de mansinho na areia, fazendo um barulho calmo... Diferente da alma de Tião naquele momento, que estava como um barco envolto em uma tempestade. Sentado na beira do mar, o olhar distante denunciando a angústia interior.
- Acho melhor que saia da cidade novamente por uns dias, - aconselhou José, que estava de pé alguns passos atrás - o Joca trabalha pra uns políticos influentes, certamente não vai engolir a surra que você o aplicou...
Tião continuou quieto, como se não tivesse ouvido as palavras do amigo. A noite seguia, cada vez mais fria, para se aquecer Tião e José bebiam um pouco de conhaque.
Finalmente Tião rompeu o silêncio.
- Você não se lembra do que esse mesmo infeliz nos fez, quando eramos crianças? Lembro que tinhamos prometido vingança.
- Mas o tempo passou, e nos tornamos adultos...
- Sim, Zé, mas agora é diferente e eu acho que chegou a hora da vingança. Cada soco que eu dei nele hoje, me lembrava daquele dia...
Naquela noite, horas antes, Tião tinha acabado de voltar para o Rio, e foi procurar Tereza. Quando chegou na casa dela ficou sabendo que tinha saído. Percorreu a noite a procura da amada, mas teve uma desagradável surpresa, ela estava nos braços de Joca, seu antigo desafeto. O sangue subiu a cabeça, e Tião o espancou, com rabos de arraia, socos, cabeçadas e pontapés. Joca até tentou se defender, visto que também sabia um pouco das temidas pernadas da capoeira, mas nessa arte, Tião tinha fama de ser imbatível. Como estavam numa área movimentada, perto dos cassinos, os guardas logo vieram para acabar com a confusão, e Tião fugiu e agora estava ali.
- Esqueça isso amigo. Essa Tereza não vale nada, Joca não teria ficado com ela se ela não quisesse. E garanto que foi ela que o provocou. Essa história do passado, também, já foi. Você já teve hoje a oportunidade que queria, e o humilhou na frente de todo mundo.
- Sim, mas agora ele vai aprender a não mexer com mulher dos outros - disse isso e se levantou, no rosto a expressão da raiva. Retirou a navalha do bolso, como que para mostrar seu ideal ao amigo e rumou novamente para a cidade.
- Não faça isso Tião, você vai se arrepender! - José ainda tentou.

No caminho, Tião só conseguia pensar no sórdido acontecimento, conseguia quase que ver a sua frente Joca se apoderando de Tereza. Estava transtornado. Quem já amou e foi enganado, consegue imaginar como ele se sentia.
Não foi difícil encontrá-los novamente. Na casa de Joca as luzes estavam acesas. Tião arrombou a porta num pontapé e se dirigiu para o quarto, onde ainda encontrou Tereza cuidando do amante.
- Vadia!
Quando a empurrou e partiu com a navalha na mão para por fim a vida de Joca, ele já estava previnido e rapidamente puxou o gatilho do 45. Tião cambaleou para trás, tentando se apoiar nos móveis do quarto. Antes de cair, rasgou o rosto de Tereza com a navalha em sua mão descontrolada. O estampido do tiro e o grito de Tereza foi ouvido de longe.

A polícia chegou, pouco tempo depois. Do outro lado da rua, José ficou a observar o barraco. Com sua justiça de malandro do morro, já pensava na melhor forma de se vingar pelo amigo. Nos dias que se seguiram, José cuidou do enterro de Tião e Joca, que tinha favores para cobrar de políticos influentes, conseguiu se livrar de qualquer condenação, alegando legítima defesa. Tereza ostentava no rosto os curativos do corte que certamente lhe deixaria uma incômoda cicatriz no rosto, e isso lhe fazia amaldiçoar Tião sempre que se lembrava do ocorrido.

CAPÍTULO IV – TUDO NO MUNDO É PASSAR

O malandro José também era filho de malandro. Sua mãe lhe deu à luz muito cedo, e teve de o criar sozinha. Sempre lhe contava que seu pai era um homem bonito, namorador e que teve muitas mulheres, mas que era um canalha e a abandonou tão logo soube que estava grávida. Dizia-lhe que seu pai era valente, adorava arranjar confusão a troco de nada.
No fim das contas, José, que sempre teve em mente uma figura idealizada de seu pai, acabou por se tornar aquilo que achava que ele era: valente, bom na capoeira, namorador. 
Quando o assunto era negócios, tinha de ser impiedoso com os desafetos dos políticos que lhe contratavam por guardião. Mas, numa estranha ética, avaliava sempre do que o infeliz era realmente merecedor e assim agia. Era fiel a seus amigos e protegia também muitas mulheres da vida, as quais lhe ofereciam o coração e alguns tostões.
Desde a infância mostrava sua coragem, como quando enfrentou junto de Tião o bando de Joca. Para ele, o episódio morrera há muito tempo, mas os últimos acontecimentos faziam seu coração pedir justiça. Sabia que o mundo dá voltas, e se hoje alguém está se dando bem, certamente isso não irá durar para sempre. Era nisso que baseava toda a sua filosofia de vida, a sua fé. Por isso o malandro tinha o zelo de não errar, e também tinha a paciência de esperar a hora certa de agir.

Conhecia diversas prostitutas na noite carioca, muitas delas conheciam também Joca e Tereza. Obteve delas informações de que Joca, enquanto trabalhava no cassino, aproveitava muitas vezes da bebedeira de ricos frequentadores para lhes assaltar a carteira, quando estavam distraídos. Obviamente, Joca tomava o maior cuidado com isso. Mas José deixou uma de suas "amigas" incumbida de lhe avisar quando ele estivesse para dar o "pulo do gato". Como já havia passado bastante tempo desde a morte de Tião, Joca afrouxara a vigília sobre a possível vingança de José.
E não deu outra, avisado de que ele aproveitara a distração de um homem rico e seus capangas, com as mulheres e a jogatina, para lhes roubar, José chamou a polícia. Dessa vez não houve escapatória, se Joca tinha suas alianças entre os políticos influentes, o que lhe rendia proteção contra as autoridades, este senhor era ainda mais influente. Joca foi pego em flagrante. Antes de ser preso, apanhou dos policiais e dos capangas do senhor. De nada lhe valeu a capoeira, o pouco de capoeira que sabia, contra dez, quinze homens, alguns também exímios nessa arte.
José fez questão de aparecer para vê-lo saindo algemado do cassino. Foi preso, e amargaria duros dias na prisão, onde, se soube depois, foi hostilizado por outros detentos. Numa das surras que levou, lembrou os dias da infância, onde humilhara dois meninos naquela manhã nublada no Morro da Mangueira, justamente os responsáveis por sua prisão - vingador e vingado, José e Tião.

Tereza ficou inconsolada. A cicatriz em seu rosto apagara-lhe a vontade de se cuidar. Não se julgava mais capaz de seduzir um homem e chorava horrores toda vez que se olhava no espelho. Sua sorte era a de que Joca ainda a sustentava, mas, e agora, se ele estava preso? Entrou em desespero quando percebeu que os homens não mais a queriam. Em pouco tempo perdeu as belas formas de seu corpo, devido a depressão em que entrara.
Passara a viver com dinheiro das jóias ganhadas em seus tempos de glória, que vendia para continuar mantendo um certo luxo em sua vida. Quando acabaram as jóias, não teve outra alternativa: colocou um vestido curto, passou um baton fortíssimo em seus lábios, e descabelada e em meio a lágrimas de desgosto se encaminhou para uma esquina, procurando um homem que lhe pagasse o que fosse por uma noite de amor. Nada muito diferente do que já fazia, mas sem o luxo e o conforto. Não arranjava grandes clientes, isso quando não apanhava e ficava sem um tostão.

Castigos justos? Quem poderá dizer?

Enquanto isso, o malandro José, em seu terno branco, chapéu jogado de lado e uma bengala para complementar o estilo, caminhava pelas noites da Lapa, com seu gingado e sua malícia. Sentia-se aliviado, a vingança é mesmo um delicioso prato que se come frio. Mas José era malandro, não deixava de ficar atento para qualquer surpresa que pudesse surgir na volta que o mundo dá...

FIM

(Soldado Capoeira)